Defesa do céu noturno
O ambiente noturno é um precioso recurso natural para a vida na Terra, mas o brilho da iluminação exterior tem escondido as estrelas e mudou a nossa perceção sobre a noite.
O céu noturno natural inspira
Até recentemente, em toda a história humana, os nossos antepassados contemplaram um céu repleto de estrelas – um céu noturno que inspirou a ciência, a religião, a filosofia, a arte e a literatura, incluindo alguns dos mais famosos sonetos de Shakespeare.
O céu noturno natural é o nosso património universal mas está rapidamente a tornar-se desconhecido para as gerações mais novas.
“Não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas faz-me sonhar.” – Vincent van Gogh
Van Gogh pintou o seu famoso quadro “A Noite Estrelada” em Saint-Rémy-de-Provence, França, em 1889. Agora, a Via Láctea já não pode ser vista a partir dali. Se ele fosse vivo hoje em dia, será que se teria inspirado para pintar “A Noite Estrelada”?
Contemplar o céu noturno dá perspetiva, inspiração, e leva-nos a refletir sobre a nossa humanidade e lugar no universo. A história da descoberta científica e até mesmo a curiosidade humana está em dívida para com o céu noturno natural.
Sem o céu noturno natural não poderíamos ter:
- navegado no globo;
- andado na Lua;
- aprendido sobre o universo em expansão;
- descoberto que os seres humanos são feitos de poeira estelar.
Associação Internacional Dark-Sky
A Associação Internacional Dark-Sky estabeleceu o Programa Internacional Dark Sky Places que reconhece as excelentes contribuições para a defesa do céu noturno.
As distinções são atribuídas a comunidades, parques, reservas e outros locais, tendo em conta padrões rigorosos de iluminação exterior e as ações inovadoras de sensibilização da comunidade.
Fundação Starlight
A Fundação Starlight é uma organização sem fins lucrativos com os seguintes objetivos:
- Proteger e conservar o céu noturno, como um importante recurso científico, cultural, ambiental e turístico;
- Promover a Astronomia através de atividades culturais e turísticas;
- Promover o turismo científico relacionado com as estrelas, em locais com um céu noturno de qualidade, atribuindo a certificação de Starlight Tourist Destinations e Starlight Reserve;
- Promover a iluminação inteligente e a poupança de energia, através de iniciativas que evitem a poluição luminosa e que protejam as espécies que precisam de um céu escuro para sobreviverem.
A Fundação Starlight foi criada na sequência da Primeira Conferência Internacional Starlight, realizada em 2007 em La Palma (Canárias, Espanha), onde se elaborou a “Declaração para a Defesa do Céu Noturno e para o Direito à Luz das Estrelas” com os seguintes princípios e objetivos:
- Um céu noturno não poluído, que permite o prazer da contemplação do firmamento, deve ser considerado um direito inalienável da humanidade, equivalente a todos os outros direitos sociais, culturais e ambientais, devido ao seu impacto no desenvolvimento de todos os povos e na conservação da biodiversidade.
- A degradação progressiva do céu noturno deve ser considerada um risco iminente que deve ser enfrentado, da mesma forma como são abordados os principais problemas respeitantes aos recursos naturais e ao ambiente.
- A conservação, proteção e valorização do património natural e cultural, associado às paisagens noturnas e à observação do firmamento, representam uma excelente oportunidade e uma obrigação universal de cooperação para a proteção da qualidade de vida e para a redescoberta do céu noturno como uma parte do património da humanidade.
- O acesso ao conhecimento, apoiado pela educação, permite a integração da ciência na nossa cultura atual, contribuindo para o avanço da humanidade. A divulgação da Astronomia e dos valores científicos e culturais, associados à contemplação do universo, devem ser considerados como conteúdos básicos de atividades educativas, que exigem um céu não poluído e formação adequada.
- Os efeitos negativos da luz artificial sobre a qualidade do céu noturno em áreas protegidas têm impacto sobre várias espécies, habitats e ecossistemas. Para se proteger a natureza e a diversidade biológica, o controlo da luz indesejável deve ser um elemento fundamental das políticas de conservação da natureza e deve ser implementado nos planos de gestão dos diferentes tipos de áreas protegidas.
- Conscientes de que um céu estrelado faz parte integrante da paisagem de cada território, incluindo as zonas urbanas, as políticas de paisagem precisam de adotar as normas adequadas para preservar a qualidade do céu noturno e garantir o direito universal de contemplar o firmamento.
- Deve ser promovido o uso inteligente de iluminação que minimiza o brilho do céu e evita o impacto negativo da luz nos seres humanos e na vida selvagem. A luz artificial deve ser usada de forma responsável e no âmbito de políticas de sustentabilidade energética, que devem incluir a medição da poluição luminosa a partir do solo e do espaço. Esta estratégia implicaria um uso mais eficiente da energia, de modo a contribuir para a proteção do ambiente e para se atingir os compromissos sobre as alterações climáticas.
- Os locais com condições excelentes para a observação astronómica são raros e a sua conservação representa um esforço mínimo, tendo em conta os benefícios da sua contribuição para o nosso conhecimento e para o desenvolvimento científico e tecnológico. A proteção da qualidade do céu nestes locais deve ser uma prioridade nas políticas científicas e ambientais. Devem ser tomadas medidas para proteger estes locais dos efeitos prejudiciais da poluição luminosa, radio-elétrica e atmosférica.
- O turismo pode ser um instrumento poderoso para promover a defesa da qualidade do céu noturno. O turismo responsável deve considerar o céu noturno como um recurso a proteger e que valoriza cada destino. A criação de novos produtos turísticos, baseados na observação do firmamento e dos fenómenos noturnos, abre possibilidades inesperadas de cooperação entre os agentes turísticos, as comunidades locais e as instituições científicas.
- Os locais pertencentes à Rede Mundial de Reservas da Biosfera e ao Património da Humanidade, as Zonas Húmidas Ramsar, os Parques Nacionais e todas as áreas protegidas devem contribuir para a proteção do céu noturno, reforçando assim a sua missão de conservação da natureza.
Esta declaração classifica o céu noturno como património da humanidade e foi elaborada por várias instituições e organizações internacionais como a UNESCO, a União Astronómica Internacional, o Observatório Europeu do Sul, a Associação Internacional Dark-Sky e a Organização Mundial de Turismo.
Reserva Dark Sky Alqueva
A Reserva Dark Sky Alqueva, no Alentejo (Portugal), foi a primeira região do mundo a receber a certificação de Destino Turístico Starlight (Starlight Tourism Destination), atribuída pela Fundação Starlight, reconhecendo a excelente qualidade do céu noturno (escuro e cheio de estrelas) e das atividades turísticas relacionadas com a observação das estrelas.
A Reserva Dark Sky Alqueva inclui os municípios do Alandroal, Barrancos, Moura, Mourão, Reguengos de Monsaraz e Portel, onde se desenvolvem atividades para proteger e observar o céu noturno, bem como para descobrir os valores científicos, culturais, naturais e paisagísticos associados ao céu noturno.
Existem vários monumentos megalíticos nesta região, que sugerem que os nossos antepassados valorizavam a observação do céu noturno e que relacionavam a paisagem com a posição do Sol, da Lua e das estrelas em momentos importantes do ano.
Fontes:
Night Sky Heritage (International Dark-Sky Association)
Starlight Foundation
Starlight Declaration – La Palma 2007 (Starlight Foundation)
Alqueva – The First Starlight Destination (Starlight Foundation)
Certificação Starlight (Reserva Dark Sky Alqueva)
Dark Sky Alqueva (fotografias de Miguel Claro na Reserva Dark Sky Alqueva)
Traduzido com a colaboração de Rafael Gaspar e da professora Maria Azevedo da Escola Básica António Gedeão