Poluição luminosa na Galiza
A Agrupación Astronómica Coruñesa Ío (Associação Astronómica da Corunha Io), lozalizada na Galiza (Espanha), contribui para a defesa do céu noturno promovendo palestras, exposições, atividades e materiais de divulgação sobre poluição luminosa. Em 2020 foi produzido um folheto cujo conteúdo divulgamos neste artigo.
Poucas invenções transformaram as sociedades modernas, e para o bem, como a iluminação artificial. No entanto, sabemos que o uso e abuso da luz à noite têm consequências negativas que a ciência começou a desvendar nas últimas décadas. Chamamos poluição luminosa a qualquer efeito adverso causado pela luz artificial.
É uma questão ambiental?
Sim. Como resultado dos movimentos de rotação e translação do nosso planeta, as horas de luz (dia) e escuridão (noite) sucedem-se a uma taxa que varia muito lentamente desde há milhares de milhões de anos. Os seres vivos desenvolveram, ao longo da evolução, mecanismos de adaptação para aproveitar esse ritmo natural. A presença de luz artificial à noite muda radicalmente as regras do jogo, ao modificar a alternância natural de luz e escuridão.
Cada espécie adaptou-se a este padrão para ocupar o seu espaço. Algumas espécies precisam de muita luz e outras não precisam de luz para se alimentar, orientar, migrar ou reproduzir. A luz artificial à noite pode facilitar a vida das espécies de hábitos diurnos, mas deixa as espécies noturnas completamente indefesas. Não é preciso muita luz para produzir alterações sérias e estas não se limitam aos locais com candeeiros: os fotões não conhecem fronteiras e a luz artificial mal direcionada, das vilas e cidades, espalha-se afetando o meio ambiente a muitos quilómetros de distância.
Para um animal noturno, um nível mínimo de luz, pouco apreciável para os humanos, pode ser crítico. São muitos os exemplos estudados na literatura científica, desde pássaros que se desorientam ao deixar o ninho e colidem – aos milhões – com prédios iluminados, até tartarugas marinhas que nascem de ovos nas praias, mas não chegam ao mar confundidas pelos candeeiros. Também são afetados os insetos, decisivos para a polinização e cujo desaparecimento é um dos problemas ambientais mais críticos do planeta, os corais, muitas espécies de plantas e outros seres vivos. Quando foi a última vez que viu um pirilampo?
Além disso, há o desperdício de energia inerente à poluição luminosa e o seu impacto na produção de gases de efeito estufa e no aquecimento global. A preservação e defesa da natureza exige hoje – e com urgência – a preservação e a defesa da escuridão da noite.
Quanto dinheiro custa?
Muito. Estima-se que a energia para iluminar a noite em Espanha custa cerca de mil milhões de euros por ano. Se usássemos a iluminação noturna de forma mais eficiente, como acontece na Alemanha, este custo poderia ser drasticamente reduzido em pelo menos 30%. Esta economia ocorreria em cada concelho, já que a iluminação noturna chega a representar metade dos gastos com eletricidade dos municípios. Já imaginou como poderia ser utilizado esse dinheiro para investir em educação e cultura todos os anos?
A saúde humana é afetada?
Muitas das nossas variáveis fisiológicas mudam ao longo do dia: temperatura corporal, pressão arterial, estado de vigília (sono), produção de hormonas. Esta oscilação é governada por um sistema de regulação cujo período é ligeiramente superior a 24 horas, um “ritmo circadiano” próximo de um dia terrestre.
Para evitar a acumulação de atrasos, o nosso relógio biológico precisa ser “acertado” todos os dias, e o estímulo mais importante para isso é o ciclo de luz natural. Existem células fotorrecetoras específicas na retina do olho, descobertas em 2002, cuja função é enviar o nível de iluminação ambiente para uma região específica do cérebro. Assim, a luz que chega aos olhos ajuda à sincronização do sistema de regulação, responsável pela ativação dos processos fisiológicos correspondentes à nossa condição de animais diurnos e ao tempo de descanso noturno.
Hoje vivemos um problema duplo. Durante o dia, grande parte da população recebe muito menos luz do que deveria, porque passa muito tempo fechada entre quatro paredes, sem receber luz solar. À noite, estamos expostos à luz, dentro e fora das casas, incluindo a luz de écrans de telemóveis e de publicidade. Enviamos a mensagem errada para o cérebro: o nível de luz que nos rodeia não lhe permite reconhecer a diferença entre o dia e a noite, para iniciar os processos adequados a cada período. As alterações que isto provoca estão relacionadas com várias patologias graves. Este é um campo de pesquisa ainda em desenvolvimento.
A iluminação LED melhora ou piora a situação?
A tecnologia LED tem grandes virtudes: pode produzir luz com baixo consumo de energia e direcioná-la com grande precisão para onde é necessária, a luz pode variar em intensidade e a sua cor pode ser alterada facilmente. Mas, como qualquer outra tecnologia, depende de como a usamos. Os LED são eficientes mas, se forem instalados candeeiros LED em muitos locais, a sua eficiência teórica pode não trazer nenhuma economia real.
Algo semelhante acontece com a poluição luminosa, para a qual o LED pode ser uma solução ou um problema ainda maior. Se o nível de iluminação aumenta, por mais bem direcionadas que sejam as lâmpadas, a luz refletida no pavimento também aumentará e, consequentemente, a luz chegará onde não deve. Além disso, se a luz LED for azul (com “temperatura de cor” acima de 2700 K), como acontece na maioria dos municípios, a poluição luminosa aumentará ainda mais devido à maior capacidade da luz azul para se dispersar na atmosfera. Usar LED, por si só, não é garantia de nada. Na verdade, o mau uso sistemático desta tecnologia nos últimos anos só piorou o problema da poluição luminosa.
Ainda existem sítios escuros?
Cada vez menos. De acordo com o Atlas Mundial do Brilho Artificial do Céu Noturno, publicado em 2016, 80% da população mundial vive com céus poluídos. Num céu verdadeiramente escuro, numa noite sem Lua, deveríamos ver a olho nu cerca de 4500 estrelas. Nas cidades, com sorte, veremos uma centena, e nos centros urbanos talvez nem uma dezena. Na Galiza (Espanha) ainda existem zonas com um céu noturno bom, com grande potencial de desenvolvimento sustentável, mas estas zonas já estão afetadas pela luz e necessitamos de agir o mais rapidamente possível para preservar a qualidade da noite.
As noites estreladas fizeram parte da paisagem ao longo da história e incentivaram a criatividade científica e artística. Sem paisagens estreladas, não teríamos Galileu, os Herschel (William, Caroline e John) ou Henrietta Leavitt, que nos deu ferramentas para medir as distâncias no Universo. Também não teríamos a poesia de Walt Whitman ou de Rosalía de Castro, cujo nome foi dado a uma estrela, nem as pinturas de Van Gogh. A nossa imaginação voou sempre nas asas da noite. A noite é necessária: foi uma verdade poética nas mãos de Xosé María Díaz Castro e já é uma verdade científica. Estamos conscientes do que perdemos quando perdemos a noite?
O que podemos fazer?
Devemos assumir que a luz artificial noturna atua como um agente poluente e devemos agir para diminuir este problema, até mesmo legislando com essa finalidade. A luz artificial deve ser usada apenas quando é necessário, com a intensidade adequada à realização das tarefas, sem iluminar espaços adjacentes ou o céu, evitando luzes acesas em determinados horários e evitando as luzes mais poluentes (azul e violeta). Temos também de realizar estudos técnicos, medições precisas para avaliar o estado das instalações e apoiar a investigação e a divulgação nesta área. Ao contrário de outras formas de poluição, a poluição luminosa é fácil de evitar.
Ao nível pessoal, devemos utilizar os meios adequados para iluminar bem, o que não é o mesmo que iluminar muito; Podemos exigir que as administrações façam o que devem; Colaborar com a divulgação do problema para romper com uma inércia de décadas a favor das luzes sem controlo, que respondia a uma ideia errada de progresso; Descobrir a noite, quem não a conhece; Experimentar a sua escuridão, cheia de vida e de estrelas, e as emoções essenciais que nascem dela.