Poluição luminosa influencia o relógio biológico humano

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O Prémio Nobel da Medicina de 2017 foi atribuído a três investigadores, Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young, pelas descobertas dos mecanismos moleculares que controlam os ritmos circadianos. Mas o que são os ritmos circadianos e como influenciam a vida das pessoas?

“O ritmo circadiano ou circadiário, que significa cerca de um dia, é o relógio biológico do ser humano e da maior parte dos seres vivos. Desde os primórdios da vida na Terra que os organismos funcionam num regime dia-noite de aproximadamente 24 horas, ou seja, claridade–escuridão, com um conjunto de funções biológicas específicas e distintas tomando lugar de dia ou de noite”, explica o investigador do Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra (CITEUC), Raul Cerveira Lima.

A poluição luminosa (excesso de luz artificial à noite), a propagação da luz na atmosfera, a medição e análise da luz ambiente em sítios, e o estudo dos impactos da luz têm sido algumas das matérias de investigação no CITEUC. “O crescimento demográfico mundial, aliado a uma ausência de valorização dos impactos da poluição luminosa, o que levou a práticas inadequadas de iluminação pública, privada e cénica, deu origem à situação atual, onde o céu noturno nunca esteve tão iluminado, a um nível global. Portugal não é exceção, apesar da relativa estagnação do crescimento demográfico. No caso das cidades, por exemplo, a noite escura deixou de existir”, salienta o investigador Raul Lima.

As consequências não são exclusivas da astronomia profissional. A poluição luminosa tem diversos impactos na fauna, na flora, na economia, no uso de recursos naturais supérfluos e consequente contribuição para as alterações climáticas. “Não menos importante, estão em estudo diversos efeitos patológicos prováveis no ser humano, sendo cada vez maior o número de artigos científicos publicados nesta área, relevando o interesse crescente na relação entre luz, ritmos circadianos e patologias”, refere Raul Lima.

Segundo a diretora da Clínica Universitária de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), Leonor Gomes, a saúde e bem-estar são afetados quando há uma desregulação entre o meio ambiente externo e o relógio biológico interno. “Este processo pode ser pontual, como são exemplo as perturbações causadas pelos diferentes fusos horários que uma pessoa atravessa quando viaja (jet lag), ou crónico podendo levar à interrupção da normal fisiologia e ao surgimento de doença. Nos humanos, o desalinhamento circadiano induzido pela privação do sono tem sido associado a marcadores de resistência à insulina e a inflamação, podendo levar a doenças metabólicas (obesidade e diabetes mellitus), doenças neurodegenerativas ou cancro. Por outro lado, estados fisiológicos, como o envelhecimento, e as próprias doenças também podem afetar o ritmo circadiano”, explica Leonor Gomes.

O conhecimento do relógio biológico abre uma oportunidade para tratamentos baseados na ritmicidade circadiana. “Várias abordagens genéticas, atuando nos genes reguladores dos relógios biológicos, associadas a técnicas comportamentais poderão modificar hábitos errados de sono e de comportamento alimentar. A cronoterapia tem sido tentada em diversas áreas, como no restabelecimento do ritmo circadiano e do sono, hipertensão arterial, artrite reumatoide, doenças inflamatórias, depressão e cancro. O valor da sua eficácia requer estudos mais aprofundados e de maior evidência científica”, refere a docente da FMUC.

 

Fonte: Poluição luminosa e propagação da luz artificial na atmosfera influenciam o relógio biológico humano (Karine Paniza e Marta Costa, Universidade de Coimbra)