Iluminação LED e a visão humana
O que diz a visão humana
Vamos então, por parte, aos factos. A visão humana usa, de forma simplificada, dois tipos principais de células: os cones, para a visão de dia (visão fotópica), e os bastonetes, usados sobretudo para a visão à noite (visão escotópica). Os cones permitem-nos distinguir cores e têm uma capacidade de discriminação de detalhes superior ao dos bastonetes. Estes últimos são insensíveis à cor – daí a razão de vermos a “preto e branco” (níveis de cinzento) numa noite de luar. Porém, são muito sensíveis e permitem-nos, por isso, ver, mesmo na presença de pouca luz.
Ora, ao ar livre deixámos praticamente de ter um ambiente natural em que ocorram condições de muito pouca luz. A predominância de iluminação faz com que quase não recorramos unicamente aos bastonetes. Ficamos numa situação de visão ou fotópica ou mesópica (intermédia, típica de níveis de luz semelhantes aos que ocorrem nos crepúsculos). Significa isso que não existem condições de escuridão em parte alguma a não ser em locais muito afastados (dezenas ou centenas de quilómetros) dos aglomerados urbanos. Segundo o Novo Atlas Mundial do Brilho Artificial do Céu, 35,4% da população portuguesa vive sob um céu em que a visão puramente escotópica deixou de ser possível.
Vamos quantificar, ainda que evitando grandezas físicas. Quem já teve o prazer de estar ao ar livre numa noite de lua cheia, num local sem poluição luminosa, sabe que é possível realizar um conjunto importante de tarefas, reconhecer objectos, pessoas e, inclusive, ler. Já numa cidade os níveis de iluminação pública ultrapassam usualmente os 50, 100, 200 ou mais vezes a luz que nos fornece o plenilúnio. Como resultado, usamos apenas os cones. Como há muitos contrastes, com zonas com candeeiros, sem candeeiros, uns mais intensos do que outros, o resultado global é que precisamos cada vez de mais luz para podermos ver bem. A solução ideal é, porém, a inversa: reduzir os níveis de luz, evitando os contrastes e proporcionando uma luz mais uniforme. Torna-se não só mais confortável como mais segura, reduzindo-se em muito a poluição luminosa e o consumo de energia.
Quanto à restituição cromática, e à “vantagem” de distinguir cores à noite do mesmo modo que de dia, é uma falsa questão. Não só – curiosamente – alguns LED de temperatura de cor mais baixa permitem uma restituição cromática superior aos de temperatura de cor mais elevada (4000K por exemplo, os mais utilizados), como é algo que não tem interesse nem é desejável a não ser por moda ou marketing. As cores que vemos de dia devem-se à luz branca do Sol. À noite, as cores dependerão da fonte de luz que utilizarmos. Sem luz, não há cor. Com a luz da Lua, aos nossos olhos também não há cor. Pretender cor à noite é criar um ambiente totalmente artificial.
O que diz a investigação científica
O discurso predominante gira também em torno da eficiência energética. Conceito louvável por si só, a eficiência não deve ser vista como um fim, mas como um meio, um dos parâmetros a pesar na balança. Se uma tecnologia for mais eficiente mas menos segura do que outra, não será estranho que se opte, sem mais, pela primeira? Sobretudo quando já há LED ainda ligeiramente menos eficientes (caso dos LED âmbar e pc-âmbar ou, de uma forma geral, os de temperatura de cor igual ou inferior a 2200 K) mas sem os riscos dos brancos. Sobretudo também quando há provas de efeitos negativos e suspeitas de potenciais outros.
Na realidade, sabe-se que a exposição a luz branca (com elevada percentagem de azul no espectro) é inibidora da produção de melatonina, hormona produzida no corpo humano pela glândula pineal em condições de escuridão ou de pouca luz (também conhecida como hormona do escuro), com diversas propriedades de protecção imunitária e reguladora do ritmo circadiano.
Há cerca de década e meia descobriu-se que o olho humano possui um outro tipo de células não visuais, as células ganglionares retinianas intrinsecamente fotossensíveis, usadas exclusivamente para detectar a quantidade de luz ambiente e, com isso, enviar informação ao núcleo supraquiasmático no cérebro para iniciar ou parar a produção de melatonina. Na presença, à noite, de luz branca, que de alguma forma mimetiza a luz diurna, o ciclo natural dia-noite é perturbado, podendo provocar alterações no sono com todas as consequências que daí podem advir.
A Associação Médica Americana (AMA) e a Loss of the Night Network (LoNNe, rede de investigação europeia), por exemplo, emitiram em 2016 recomendações relativas aos LED brancos, não aconselhando os de temperatura de cor superior a 3000 K ou, de uma forma geral, luz com comprimentos de onda abaixo dos 500 nanómetros, quer por potenciais efeitos na saúde, desde risco acrescido de diabetes, obesidade, depressão e mesmo suspeita de serem potenciadores de cancro de mama e próstata (cancros de origem hormonal), quer por danos no meio ambiente e astronomia.
Em Agosto foi publicada uma nova investigação que analisa 22 anos de seguimento de mulheres nos EUA. Apesar de referir a necessidade de mais estudos, conclui que as mulheres que vivem em zonas com níveis elevados de iluminação artificial de exterior à noite poderão estar sob risco acrescido de cancro de mama.
Também pouco a pouco se começa a falar nos potenciais impactos na saúde de dispositivos LED (tablets, smartphones e televisões) e alguns fabricantes incluíram tecnologia que efectua automaticamente o ajuste da temperatura de cor dos ecrãs com a hora do dia ou noite, prova de que o problema não é totalmente ignorado pela indústria.
Outra questão muito propalada é a da segurança. Há a sensação generalizada de que mais luz está associada a maior segurança. Mas não há provas científicas cabais de uma diminuição da segurança com a diminuição da quantidade de luz. Pelo contrário, num estudo recente no País de Gales e em Inglaterra não se encontrou diminuição de sinistralidade rodoviária nem de índices de criminalidade por aumento dos níveis de iluminação ou alteração para luz branca.
E quanto ao tempo de vida dos LED, os próximos anos o dirão. Os cálculos apresentados representam uma grande poupança quando têm em conta a anunciada duração de 15, 20, 25 anos dos LED. Mas em Junho, testes de fontes de iluminação LED efectuados em laboratório no Instituto Politécnico de Rensselaer (EUA) revelaram, nalguns casos, uma duração que pode ser, afinal, de dois a nove anos.
A ser assim, compensará o investimento de substituição – por vezes integral – da iluminação que está a ser feito nalguns municípios portugueses?
Fonte: Raul Lima in https://www.publico.pt/2017/09/03/sociedade/noticia/deixar-a-noite-ser-noite-1783630